A CDE e a redução de subsídio do setor rural
Ana Carolina Werle e Frederico Boschin
A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) foi criada em abril de 2002 pela Lei 10.438/2002 como um fundo setorial que financia políticas que envolvem, em qualquer grau, o desenvolvimento energético nacional¹. Destacam-se como objetivos tornar viável a competitividade de fontes alternativas no mercado, a ampliação do serviço de fornecimento de energia elétrica e, por fim, subsídios para as classes mais vulneráveis socialmente para a conta de luz.
Em seu âmbito estão alguns programas populares, como a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), o Programa Luz para Todos e os descontos na tarifa de energia proveniente de Fontes Incentivadas e de áreas rurais. Dentre os beneficiários desses programas podemos destacar o setor rural, os consumidores de baixa renda, pequenas distribuidoras e cooperativas de eletrificação.
Os custos desse programa são abatidos, majoritariamente, sob forma de subsídio cruzado pelos consumidores da rede elétrica nacional e, em menor escala, pelo Orçamento Geral da União. No ano de 2022, o CDE atingiu o pico de R$ 32,09 bilhões do orçamento gerido pela Câmara Nacional de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Devido ao seu alto custo, a CDE se tornou alvo de críticas e revisões com o intuito de diminuir seu montante final, embargadas principalmente pelo Tribunal de Contas da União. Em 2016, por exemplo, foi aprovada a Lei 13.360/2016, que determinou a obrigatoriedade da elaboração de um plano de redução estrutural da CDE, que, posteriormente foi designado para o Grupo de Trabalho (GT/MME) do Ministério de Minas e Energia.
Os estudos elaborados por essa equipe constataram que, no ano de 2018, os custos de R$20,05 bilhões da CDE dividiram-se entre os Descontos Tarifários na Distribuição – de R$8,4 bilhões, correspondente a 41,7% do total-, a Tarifa Social de Energia Elétrica, de R$ 2,4 bilhões ou 12,2% o total-, a CCC, de R$ 8,4 bilhões ou 29,2% do total- e o Programa Luz para Todos, de R$941 milhões, ou 4,7% do total². Além desses 87,7% contabilizados até agora, podemos subdividir o restante da CDE em pormenores, como o Subsídio de Água-esgoto-saneamento (3,68%) e Irrigação e Aquicultura (3,80%) e os Restos a Pagar (5,29%).
Esses custos elevados dos subsídios tarifários de distribuição são derivados de insuficiência no fornecimento de energia em áreas rurais. Dentro dessa estimativa, os subsídios rurais representam 14,35%, ou R$ 2,88 bilhões, desse total, indicativo que demonstra que esse subsídio não seja de fato vantajoso para a sociedade.
Um estudo feito pelo Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) sob forma de uma simulação neoclássica de equilíbrio geral demonstrou que o corte desse fator implicaria em uma diminuição significativa do valor da tarifa de cada consumidor, já que a CDE pouparia cerca de 2,5% do seu orçamento anual. Do mesmo modo, aplicado esse método nos setores de Aquicultura e Saneamento, o mesmo quadro se observa.
Além disso, é interessante apontar o motivo da CDE culminar para essa solução. Em 11 de setembro de 2012, seus objetivos foram legislativamente alterados pela Medida Provisória nº 579 – e, posteriormente, aprovadas sob forma da Lei º 12.783/2013, em que a CCC passou a ser incorporada, centralizando também os descontos na tarifa de distribuição rural e aumentando a possibilidade de utilização da Reserva Global de Reversão (RGR). Contudo, como a MP não foi implementada com uma estratégia de acompanhamento de impacto, de quantificação de resultados e de prazo de extinção, aliada a problemas externos, como a crise hídrica, a não concretização e supressão do bloco de leilão de 2004, sua ideia inicial de “viabilizar a redução do custo de energia elétrica para o consumidor brasileiro, assim, não apenas promover a modicidade tarifária e a garantia de suprimento de energia elétrica, como também tornar o setor produtivo ainda mais competitivo, contribuindo para o aumento do nível de emprego e renda no Brasil”³, acabou por não se concluindo. Essa falha de planejamento culminou em graves problemas. Entre esses, a relocação de uma fatia significativa do Tesouro Nacional na CDE (para conseguir suprir parte do déficit setorial e manter a proposta inicial da redução tarifária), o aumento dos encargos na tarifa de energia dos contribuintes para também suprir o déficit setorial, e, de forma mais alarmante, uma perda de cerca de R$ 10 bilhões anuais da receita das geradoras de energia -principalmente a Eletrobrás- devido às mudanças de enquadramento de subsídios. Tudo isso acabou gerando posteriormente um aumento do custo da energia aos consumidores. Isso porque, na época, foram impedidas (quem?) de repassar os aumentos de custos de geração, resultando em uma receita negativa que, para ser suprida, postergou o aumento na tarifa.
Com os impasses devidamente exemplificados, a resolução do embate proposto pelo Grupo de Trabalho em outubro de 2018 se baseou em dois pilares: a criação de um teto anual para o orçamento da CDE (ajustado pelo IPCA) e a eliminação gradual dos subsídios. Na época, o GT dissertou que alguns subsídios, como o CCC, Luz para Todos e Fontes Incentivadas só poderiam ser modificadas mediante a uma mudança em âmbito legislativo. Logo, optou-se por voltar a atenção à parcela que poderia ser facilmente modificada: os subsídios do Rural, de Água-Saneamento-Esgoto e Aquicultura, sustentando que esta não traria resultados devidos na eficiência, qualidade ou universalização do serviço público de energia elétrica. Essa extinção gradual se daria em cinco anos, tempo suficiente para que os setores se adaptassem à mudança de regras.
A aprovação dessas propostas de ação se deu por meio do Decreto nº 9.642/2018, que, posteriormente teve sua validade questionada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pelo Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), que sustentaram que a manutenção desse subsídio cumulado seria necessária para obtenção de lucro para pequenas entidades rurais de aquicultura de baixa tensão. Desse modo, o Decreto nº 9.642/2018 foi extinto e em 2019, foi criado o Decreto substituto nº 9.744/2019, que manteve a cumulatividade de benefícios com o prazo de extinção de cinco anos e não imediato. Em suma, o decreto propõe uma extinção gradual dos subsídios tarifários em cinco anos para os setores rural, aquicultura e saneamento, com redução de 20% ao ano, com o intuito de reduzir cerca de R$ 4 bilhões, ou 2,5% por ano da CDE. O plano de ação contabiliza essa extinção gradual a partir de 2019, e perdura até 2024, quando completará 100% (Figura 1).