Aurélio Souza é engenheiro Mecânico com mestrado em regulação de energia, com quase 30 anos de atuação no desenvolvimento de projetos e negócios no setor de energia sustentável, eficiência energética e serviços ambientais. Fundador da USINAZUL e da NSI Energia, empresas de consultoria no segmento de energia sustentável; Pesquisador-colaborador no Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos (LSF) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, Conselheiro na Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD). Ex-membro do Grupo Consultivo para o Setor Privado (PSAG) no Fundo Verde para o Clima (GCF) das Nações Unidas (ONU).
Em entrevista Exclusiva para a Revista 3S, ele nos conta como foi sua trajetória no mercado de energias renováveis, a expansão do mercado de geração distribuída e também da atuação e visão da ABGD.
1. Conte-nos sobre a sua trajetória profissional e como acabou se inserindo no setor de energias renováveis.
Aurélio Souza: Eu comecei a estudar e trabalhar com fontes renováveis no início da década de 90. Em 1992, eu era estudante de engenharia e tive acesso a um módulo solar fotovoltaico no Laboratório de Energia Alternativa da UFBA, neste momento, me dei conta que o meu futuro passaria pela energia solar. Neste mesmo ano viajei aos EUA e me interessei mais ainda pelo tema e me aprofundei nos estudos. Dois anos depois, em 1994, eu era estudante de Engenharia e fundei a USINAZUL, e passei a prestar consultoria para o segmento de solar térmica, com aquecimento solar de água e solar fotovoltaico para meio rural, os sistemas isolados (off-grid). Em 1998, eu me juntei ao time de energia limpa do Instituto Internacional Winrock, uma ONG americana fundada pela família Rockfeller, que tinha uma agenda muito forte em energia renovável, eficiência energética, meio ambiente e clima. Foi um período de muito crescimento e desafios, mas acabei me afastando da USINAZUL para percorrer esta oportunidade de atuar em escala Global. Em 2001, me aprofundei no tema de regulação de energia renovável realizando um mestrado na área. Em 2008, fui morar em São Paulo e nesta época já prestava diversas consultorias no setor de energia para o PNUD/ONU, ONGs e Fundações Internacionais, Ministério de Minas e Energia (MME), de Meio Ambiente, Eletrobrás, dentre muitas outras instituições no setor de energia e meio ambiente. Em 2014, fui convidado para coordenar um projeto de P&D no Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos (LSF) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, no qual sigo vinculado até o presente momento. Mais recentemente, houve uma associação com empresa de Investimento e Projetos de Infraestrutura NSI Energia, parte da NSI Group. Em resumo, são 30 anos acompanhando e participando do mercado de energia sustentável e meio ambiente Nacional e Global.
2. O que motivou a fundação da Usinazul?
Aurélio Souza: A veia de empreendedor devo ter puxado dos meus avós, pois a vontade de realizar as coisas me fez empreender. Em 1992, tive acesso à tecnologia solar fotovoltaica, e poucos anos depois deste encontro criei a USINAZUL, motivado pelas primeiras demandas de engenharia e consultoria no setor de energia e eficiência energética.
3. Como a Usinazul lida com a expansão do mercado de armazenamento de energia?
Aurélio Souza: Bem, já atuamos com armazenamento de energia desde os anos 90, quando projetávamos e instalávamos sistemas isolados no sertão e na Amazônia Legal. Essa experiência é única e é muito gratificante poder levar energia limpa para populações carentes e distantes da rede de energia. Agora, sobre o mercado de armazenamento de energia mais recente, em que se prevê a instalação de sistemas de médio e grande capacidade, este é um mercado de potencial gigante, particularmente com o avanço e penetração dos sistemas com fontes renováveis e intermitente, como a energia solar e eólica. Assim, a resposta a pergunta é que lidamos de forma a entender a demanda de nossos clientes e ofertamos o que há de mais moderno no mercado. Este é um mercado que irá expandir rapidamente, puxado pelas novas demandas de equipamentos elétricos, como, por exemplo, a mobilidade elétrica, ou até mesmo serviços de oferta de energia e/ou potência em horários específicos.
4. Qual a importância de “ESG” para a Usinazul?
Aurélio Souza: USINAZUL é uma empresa que já nasceu dentro do conceito da Governança Social e Ambiental. Para nós não existe projetos que não agreguem valor aos pilares do ESG. Eu trabalhei muitos anos com o terceiro setor em projetos de escala global com Nações Unidas, organizações multilaterais e governos internacionais, tendo participado diretamente em projetos de desenvolvimento socioeconômico e ambiental no Brasil, América Latina e África. Essa experiência faz parte do portifólio da USINAZUL. Um outro tripé do ESG é a governança, e para nós é fundamental que a governança considere a equidade de gênero e inclusão social para gerar de fato as transformações necessárias para mudança de paradigmas no desenvolvimento global. USINAZUL apoia todos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e atua diretamente em diversos destes ODS, de modo que o “ESG”, quando é feito da forma correta, é de suma importância para uma economia mais justa e inclusiva.
5. Você poderia citar alguns dos projetos desenvolvidos pela Usinazul que obtiveram maior destaque e quais os principais desafios observados?
Aurélio Souza: Cada projeto tem seus desafios, seja político, financeiro, social, etc., mas, posso citar um projeto que finalizamos recentemente na Amazônia Legal, na área de Reserva Extrativista (RESEX) do Médio Purús e Ituxi, Amazonas. O projeto coordenado pelo World Wide Fund for Nature (WWF), com financiamento de Organismos Internacionais, instalou um Minirrede de Geração de Energia Solar em comunidade isolada no Sul do Amazonas. O sistema solar com banco de baterias fornece energia 100% solar para a comunidade. O projeto é de pequena escala, mas gerou resultados interessantes, por exemplo, permitindo que jovens se conectassem com a internet 24 horas por dia e pudessem realizar cursos técnicos e universitários a distância. Economia de Diesel dinamizou a economia e reduziu emissões de gases de efeito estufa. Um novo modelo de governança de geração e gestão de energia distribuída está sendo proposto para concessionária de energia na região Norte. A ideia central do projeto é escalonar o modelo para milhares de comunidades ainda sem acesso a energia limpa e renovável (ODS7).
6. Como a Usinazul encara a questão deste período de transição energética e quais as soluções que a empresa oferece?
Aurélio Souza: USINAZUL sempre atuou no setor de energia sustentável prestando serviços de engenharia e consultoria neste segmento. As soluções que são oferecidas são todas aquelas que já atingiram maturidade comercial. Assim, a USINAZUL viabiliza os serviços para o correto fornecimento de sistemas de energia renovável (solar, biomassa, resíduos sólidos dentre outros), sistemas de armazenamento e gestão de energia, dentre outras soluções de eficiência energética e serviços ambientais. A USINAZUL não vende equipamentos, mas atua na integração de todos os componentes, produtos e serviços necessários para atender os clientes.
7. A expansão da Geração Distribuída no Brasil vem se destacando já há alguns anos. Como você vê as oportunidades neste segmento do setor elétrico brasileiro?
Aurélio Souza: É um mercado que não para de crescer. Existem muitas oportunidades na área técnica, de projetos e instalação, assim como nas áreas comerciais e administrativas. Muitos modelos de negócios e startups estão surgindo para ofertar serviços e soluções integradas para milhares de usuários de energia. Atualmente é muito fácil ingressar no mercado de geração distribuída, onde há baixa barreira de entrada, contudo, claramente essa facilidade tem permitido que pessoas e grupos com baixa capacitação atuem no mercado. É importante que o mercado cresça de forma sustentável com foco na qualidade.
8. Como conselheiro da ABGD, conte-nos como a associação atua para fomentar o desenvolvimento do mercado de GD no Brasil.
Aurélio Souza: A principal missão da Associação Brasileira de Geração Distribuída é fomentar o mercado da geração própria de energia. Todos os esforços são para criar um mercado sustentável e próspero para os associados, e paralelamente para a sociedade. A ABGD presta apoio jurídico, técnico, mercadológico, além de difundir conhecimento e informações sobre melhores práticas de mercado etc. Os associados, seja ele Pessoa Jurídica ou Pessoa Física, têm todo acesso aos serviços, produtos e relacionamento comercial e estratégico entre si, fortalecendo o segmento por meio de negócios que são realizado.
9. Quais são as expectativas da ABGD para o ano de 2023 no mercado de GD, considerando a entrada em vigor da Lei 14.300?
Aurélio Souza: A geração própria de energia veio para ficar e só vai crescer. É uma tendência global, apesar das dificuldades inerentes ao negócio. A energia solar fotovoltaica lidera o mercado de GD, mas existe potencial para diversas outras fontes, como a eólica, biomassa, biogás, pequenos aproveitamentos hidroelétricos etc. Assim, acredito que há muito espaço para a ampliação e o mercado vem crescendo a taxas inimagináveis. Hoje se instala cerca de 1 GW de GD a cada 25 dias. Isso é algo sem precedente. Por conta dessa expansão, a energia solar já é a segunda fonte de geração de energia no Brasil.
10. A abertura do mercado livre de energia é uma tendência na GD. Como a ABGD enxerga essa movimentação do mercado?
Aurélio Souza: Como uma tendência natural do mercado. A geração distribuída é uma alternativa para a expansão do Mercado Livre. Há um casamento bem interessante, e já tem bastante gente de olho neste mercado, inclusive as concessionárias de energia elétrica. Não é à toa que essas concessionárias estão defendendo suas participações (ou manutenção) no mercado com unhas e dentes, muitas vezes de forma desleal e utilizando de subterfúgios para esconder o real ponto, que é manter o controle do mercado cativo.
11. Em sua opinião, o Hidrogênio Verde tem potencial para assumir um papel de destaque na matriz energética global? O que diferencia o Brasil com relação aos demais países na questão do desenvolvimento da cadeia de Hidrogênio Verde?
Aurélio Souza: Certamente que sim. A economia de Hidrogênio está aí para ficar, e recentemente acelerou bastante devido à guerra no leste Europeu, que forçou a Europa a buscar soluções de energia para fugir da dependência do gás e outras fontes de energia fóssil existentes. Ademais, os níveis de emissões de gases de efeito estufa (GEE) estão fora de controle e requerem uma nova matriz energética global (queima de combustíveis fósseis é uma das principais fontes de emissões globais de GEE). A produção de Hidrogênio Verde (H2V) é bastante dependente de eletricidade e o Brasil possui uma posição estratégica para geração de energia limpa e renovável a baixo custo, principalmente utilizando as fontes eólicas e solar largamente disponíveis no Nordeste, que logisticamente é também a região mais próxima do mercado consumidor Europeu e Americano. Estão, acho que o Brasil tem tudo para surfar esta onda do H2V. No entanto, são necessários investimentos, políticas públicas, etc.
12. Em sua opinião, por que a energia solar térmica não é difundida no Brasil como a fotovoltaica? Você acredita que este cenário pode se alterar?
Aurélio Souza: Em 2009, a USINAZUL elaborou para o Ministério de Minas e Energia um plano nacional para expansão da Energia Solar Térmica, cuja meta central era instalar 15 milhões de metros quadrados de coletores solar térmico até 2012. Essa meta foi atingida com folga e seguiu crescendo nos anos seguintes. No entanto, a energia solar fotovoltaica passou a ser regulamentada neste mesmo ano (2012) e, de repente, os espaços (telhados) passaram a ser disputados pelas duas fontes. Adicionalmente, a energia solar fotovoltaica ficou mais competitiva e a melhora na segurança jurídica fez com que as condições comerciais ficassem mais favoráveis para a fotovoltaica. O mercado migrou de solar térmica para solar fotovoltaica. Então, no passado a solar fotovoltaica era bem mais rural e a solar térmica bem mais urbana. Hoje essas duas tecnologias competem pelo interesse do cliente e pela disputa do espaço.
13. Qual o significado e a importância da inovação e projetos de P&D para o setor de energias renováveis, em especial para o solar fotovoltaico?
Aurélio Souza: Não existe crescimento tecnológico sem inovação e P&D. Dito isso, o que o mercado comercializa hoje é fruto de muitos anos de pesquisa e desenvolvimento global. Um país que investe em inovação e P&D é um país exportador de produtos e serviços de valor agregado. Talvez não seja de conhecimento de muitos, nos anos 80 o Brasil era um dos poucos países do mundo que produzia módulos fotovoltaicos de silício cristalino. Infelizmente essa indústria não sobreviveu para atuar no mercado atual. O Brasil é atualmente um dos maiores produtores de módulos solares orgânicos (OPV) do mundo. Isso tudo foi, e é, fruto de inovação e P&D. Infelizmente desenvolver pesquisa no Brasil é bastante difícil e por isso o país é consumidor de tecnologias importadas. Em resumo, P&D e inovação são fundamentais para desenvolvimento tecnológico e agregação de valor aos produtos e serviços para empresas e indústrias brasileiras.
14. Qual a mensagem que você gostaria de deixar aos leitores?
Aurélio Souza: Acredito que as fontes renováveis de energia e a economia de baixo carbono seguirão crescendo no Brasil e no mundo. Existe muito espaço para negócios e parcerias para todos que trabalham com qualidade e soluções inovadoras. As novas tecnologias limpas e renováveis e os novos modelos de negócios sustentáveis com foco na inclusão social e proteção ambiental são cada vez mais importantes e fundamentais para o desenvolvimento de um mundo melhor com uma matriz limpa de energia em escala global. Esse tem sido nosso foco há 30 anos, e nesta linha estamos sempre abertos para colaborar e somar com parceiros nos diversos segmentos de energia e meio ambiente.