A Lei 14.300 e o futuro da Geração Distribuída de Energia

Em meados de 2012, surge o debate sobre o conceito e aplicação da geração distribuída de energia, ocasionada, essencialmente, pela publicação da Resolução Normativa n° 482 – que disserta e regulamenta o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), originados na aplicação de sistemas de micro e minigeração distribuída.

Começamos esta coluna fazendo uma linha do tempo na imaginação do leitor.

Em meados de 2012, surge o debate sobre o conceito e aplicação da geração distribuída de energia, ocasionada, essencialmente, pela publicação da Resolução Normativa n° 482 – que disserta e regulamenta o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), originados na aplicação de sistemas de micro e minigeração distribuída das fontes renováveis de energia elétrica, tais como solar, eólica e biomassa.

Logo após, essa RN 482 sofreu uma significativa mudança com a chegada da Resolução Normativa n° 687/2015, que fez uma revisão nas regras de enquadramento em SCEE, difundindo, consequentemente, a abertura ordenada desse mercado.
Como essa mudança não foi sentida da forma esperada, especialmente por pressão das concessionárias de distribuição de energia, uma consulta pública precisou ser feita nos últimos anos, mais precisamente de 2018 até 2019, a fim de que se soubesse exatamente como e qual problema resolver. Na época, o maior problema identificado foi a suposta necessidade de aplicação de uma cobrança pelo chamado “empréstimo gratuito” de energia, caracterizado pelo Sistema de Compensação, na forma de cobrança pelo uso do fio.

De olho na iminente queda da REN 482/2012, mesmo que já prevista a revisão da regra para efeito de cobrança pelo uso do fio, a Aneel tentou, de maneira paliativa, adicionar minutas que resolvessem as falhas de projeto. Este período foi então caracterizado como a disputa entre o mercado de energia solar e as distribuidoras de energia, com o emblemático lema “não taxar o sol”.

Após intensas e acirradas discussões técnicas e (especialmente) políticas, o tema foi então levado da ANEEL para o congresso nacional. Três anos depois, foi sancionada a Lei N° 14.300, de 6 de janeiro de 2022, que institui o Marco Legal da Mini e Microgeração Distribuída, sanciona a criação do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e do Programa de Energia Renovável Social (PERS).

Nos próximos parágrafos, uma solução para seu entendimento será lançada e debatida para elucidar o leitor, salientando, antes de tudo, que o tempo obrigatório que a ANEEL fornece a seus usuários para a sua adequação às novas regras se estende por 180 dias desde a aprovação da lei e mais 90 dias de carência.

Vamos começar, então, dividindo os assuntos por tópicos:

-As novas categorias da geração compartilhada
Com as constantes mudanças e demandas do mercado, a primeira novidade que o novo marco implementa é sobre a abertura da Geração Compartilhada às cooperativas, aos consórcios de pessoas física e jurídicas, condomínio voluntário ou edilício, empreendimentos com múltiplas unidades consumidoras (EMUC), ou “qualquer outra forma de associação civil”, com o limite de potência instalada categorizado a 5MW até 31 de dezembro de 2045 – tudo descrito no Art. 1, inciso X. Isso possibilita uma maior agregação e abertura à uma parcela maior da população, que terá, futuramente, um impacto em como vemos o mercado de energia e sua matriz. Esse impacto varia desde mudanças no âmbito ambiental, como o corte de emissões de carbono, com a diminuição de termoelétricas e a geração de empregos locais para a instalação desses sistemas, até mudanças positivas no meio técnico, que partem desde os cortes em gastos desnecessários tais como perdas na transmissão e compra exacerbada de energia, com diversos custos extras provenientes de tarifas, até o aumento de procura de serviços ancilares, por exemplo.

-O SCEE
O SCEE, ou Sistema de Compensação de Energia Elétrica, já brevemente citado nesta coluna, fora criado na Resolução Normativa n° 842, de 18 de dezembro de 2018, sendo um sistema baseado em uma projeção em que a eletricidade ativa é inserida pela unidade consumidora em MMGD na rede distribuidora local gratuitamente, e posteriormente consumida ou convertida em créditos de energia destinados a consumo dentro do sistema dessa UC.
Para adentrar nesse sistema, há disponibilidade para pessoas físicas e jurídicas com UC’s na modalidade de MMGD com distribuição local e/ou remota, membros de corporações com múltiplas UC’s, com geração compartilhada, ou autoconsumo remoto. Nota-se uma questão importante: não podem participar do SCEE os consumidores de mercado livre que optaram em comprar energia elétrica nem consumidores que possuem instalados MMGD’s em terrenos que não forem próprios em que o valor do aluguel seja em real por unidade de energia elétrica.

-Garantia de Fiel Cumprimento
Concomitantemente, uma maior explicação e detalhamento fora feito para elucidar os interessados a embarcar nessa modalidade energética, como a exemplo da criação de uma garantia de fiel cumprimento entre as partes interessadas. Essa garantia disserta, de maneira bem lúcida, que os montantes devem prescrever o limite de 2,5% para investimentos em sistemas com potência instalada entre 500kW e 1.000 kW e 5% do investimento para centrais com potência instalada maior que 1.000kW. Vale também adicionar que os projetos que possuem a potência instalada maior que 500Kw e já possuem um parecer de acesso válido até 6 de janeiro de 2022 devem entregar sua garantia em até 90 dias. Dito isso, se isentam dessa obrigatoriedade as MMGD que se enquadram como geração compartilhada mediante a consórcios e EMUC, e, para o adento feito, em que há o apontamento de um contrato de uso do sistema de distribuição com a distribuidora em até 90 dias da publicação da lei.

-As atualizações sobre as solicitações de acesso e de aumento de potência
Ainda nessa ideia de conjunto de associações, a lei regulamenta que as concessionárias (ou permissionárias) da distribuição de energia elétrica que receberem a solicitação de aumento de potência ou de acesso das novas unidades consumidoras em MMGD (mini e microgeração distribuída) deveram acatar as solicitações, feitas mediante a formulários e lista de documentos homologados pelas Aneel. Contudo, para eventuais falhas e pendências, como as adequações obrigatórias das distribuidoras para com o novo sistema de legislação – com um prazo estendido de 180 dias – é dito que a distribuidora deve reunir a documentação necessária e enviar em uma única leva para Aneel em até um mês, conforme o Art. 2.

-Mudanças no valor de compensação
Construindo uma comparação entre marco legal e a REN 482/2012, podemos observar que, de maneira geral, antigamente não havia muita precisão em como precificar o valor da compensação, por exemplo. Antes, a compensação era focada em considerar absolutamente todos os componentes de uma TE – tarifa de eletricidade –. Hoje, a ideia geral é que esse valor seja reduzido, excluindo, em cada modalidade, as tarifas desnecessárias. No Grupo B a redução se demonstra, em média, na casa dos 31%, derivada da retirada da obrigatoriedade da TUSD Fio B, e, na modalidade de geração compartilhada – em que um titular obtenha, no mínimo, 25 % da participação dos excedentes – e autoconsumo remoto com potência excedente de 500 kW, a redução chega aos 36%, já que desconsidera tarifas como a TUSD Fio B, 40% da TUSD Fio A, TFSEE e P&D. Um adendo que necessita ser feito é que, conforme a região, impostos são adicionados ou retirados, conforme a tarifa.

-Alterações no custo de disponibilidade
Continuando com a ideia de comparação entre as regulações, de maneira geral, anteriormente para o Grupo B, o custeamento de disponibilidade era designado pelo mínimo que o consumidor deveria pagar em sua tarifa de energia, com os valores de 30 kW para ligações monofásicas, 50kW para bifásicas, e 100kW para trifásicas. Atualmente, a essência da regra continua a mesma, com as diferenças de que com o direito de atuarem no mercado consolidado, seus valores de custo de disponibilidade podem mudar se a média de consumo for maior do que o valor mínimo, ocorrendo a compensação somente até o valor de referência, que é cobrado na conta. Concomitantemente, se o consumo medido for menor do que o valor de referência, o consumidor paga o custo de disponibilidade. Isso vale tanto para projetos novos ou consolidados.
Para outras modalidades que ainda estão no processo de transição no projeto, se o total consumido for maior que o referido, a compensação ocorre sem o custo de disponibilidade normalmente. Para isso, o único adendo a ser feito é sobre o valor mínimo faturável que se aplica aos microgeradores com compensação local que possuem uma potência instalada de, no máximo, 1,2 kW, necessitando possuir uma redução equivalente a até 50% em relação ao valor mínimo aplicável aos demais consumidores equivalentes, conforme o Art. 16.

-Mudanças na cobrança da TUSDg
Algumas mudanças também foram feitas acerca de algumas tarifas, como a TUSDg. Segundo o Art. 18, como está liberado a utilização da rede de distribuição a qualquer sistema que se categorize como MMGD, a TUSDg – tarifa sobre o uso de sistema de distribuição sobre a demanda- deverá ser amplamente aplicada, tanto para injeção quanto para consumo de energia.

-A venda de excedentes
Segundo o Art. 24, as concessionárias possuem o poder de realizar chamadas públicas para credenciar eventuais interessados no comércio dos excedentes de energia decorrentes da micro e minigeradores distribuídos. A ANEEL tem, desde a publicação dessa lei, 18 meses para ditar quanto vale o excedente desses benefícios da MMGD.
Esses créditos de energia têm um prazo de validade que conta 60 meses após a data de seu faturamento, sendo categorizados por energia elétrica ativa. Caso o consumidor não os utilize, eles serão automaticamente revertidos em modicidade tarifária, o que seria um grande desperdício de chances de desconto no consumo.
Outro ponto a ser relembrado é que há possibilidade de que o consumidor-gerador distribua os excedentes entre as unidades consumidoras de seu sistema de MMGD, mediante, claro, a informar previamente a Aneel da sua porcentagem de distribuição entre elas. Eles são calculados a cada ciclo de faturamento pela concessionária, fazendo o somatório de energia ativa e consumida e o montante de energia ativa injetada.

-Baterias e armazenamento energético
Como citado previamente, as mudanças de enquadramento de fontes despacháveis trouxeram uma boa novidade acerca das baterias de fontes fotovoltaicas, neste caso, com potência permitida de até 3MW, que possuem a possibilidade de armazenarem no mínimo 20% de sua capacidade de geração mensal. Vale relembrar que esse armazenamento será feito por meio de microrredes que funcionam de maneira integradora, ou seja, são elas que organizam o armazenamento dessa energia e suas cargas, conseguindo balancear o autorreabastecimento dessas baterias, por exemplo. Se o sistema detecta um desabastecimento nessas baterias, ele automaticamente libera a energia. Como essa eletricidade não sai do sistema interno, relembramos que no Art. 19 é debatido que as tarifas de bandeira se aplicam somente sobre o consumo de energia ativa, não se aplicando à energia excedente, como é no caso das baterias.

-Mudança de enquadramento e B optante
O Art. 11 dispõe sobre o impedimento da mudança e reenquadramento de centrais geradoras em ACR (Ambiente de Contratação Regulada) ou em ACL (Ambiente de Contratação Livre) para MMGD que já tiverem dado entrada em pedidos de registro, operação comercial de geração de eletricidade, concessão, permissão ou autorização. Isso também se aplica aquelas cuja energia elétrica tenha sido contabilizada pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). Outra grande novidade está disposta no §1°, que concede a opção às UC’s o faturamento como Grupo B, mediante a potência nominal de geração local for limitada a 1,5 o limite permitido para as ligações de consumidores categorizados como Grupo B.

-Serviços Ancilares
Segundo o Art. 23, está disponível à concessionária a contratação de serviços ancilares de micro e minigeração distribuída por intermédio de fontes despacháveis ou não – vale ressaltar que as fontes despacháveis são aquelas provenientes de hidrelétricas, cogeração qualificada, biomassa, biogás e fontes de geração fotovoltaica limitadas a 3MW de potência instalada. Esses serviços serão obrigatoriamente regulados pela Aneel, que os escolherá a partir de chamada pública. O motivo principal para essa escolha é influenciado pelo entendimento que a melhoria de eficiência e capacidade, o adiamento de investimentos da concessionária para com as redes de distribuição, bem como a redução da ativação das termoelétricas em sistemas isolados, tais quais localizados geralmente na região norte do país, são passos importantes para um bom relacionamento e começo de uma próspera aceitação desse mercado, já que reduzirão consideravelmente o uso dos recursos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC).

-Sistema de Transição para a GD
Segundo o Art. 27, essa adequação a lei depende da data em que a solicitação de participação das geradoras na injeção de energia na rede, mantendo a antiga regra até 2045 por meio do direito adquirido quando a solicitação fora feita no período de um ano desde a publicação desta lei ou num período anterior, e, por lógica, se esse não for o caso, a regra nova de transição é aplicada.
Com essa nova regra aplicada, os empreendimentos em micro e minigeração distribuída, geração compartilhada, EMUC  e autoconsumo remoto com limitação de até 500kW de potência instalada serão englobados em um pagamento gradativo de até 100% da TUSD Fio B, como exemplificado no gráfico abaixo:

Fonte: ABGD

Já para os empreendimentos de MMGD em geração compartilhada, em que um único titular detenha pelo menos 25% de participação do excedente da energia, e para aqueles em autoconsumo remoto de 500kW de potência instalada entram na modalidade de pagamento dividido conforme o gráfico abaixo:

Fonte: ABGD

Para aquelas unidades que protocolarem sua solicitação de acesso à distribuidora entre o 13° e o 18° mês desde a sanção deste marco legal, os valores cobrados pela Aneel só começarão a ser aplicados a partir de 2031.

-O Programa de Energia Renovável Social (PERS)
Juntamente com esse marco, foi criado no Art. 36, surpreendentemente, o PERS, focado em investimentos para a criação de sistemas fotovoltaicos e semelhantes de forma remota compartilhada ou local para consumidores baixa renda – ou Subclasse Residencial Baixa Renda, que foi institucionalizada na Lei n°12.212, de 20 de janeiro de 2010 – Esses recursos provêm do Programa de Eficiência Energética (PEE) e de outras fontes.
Para participar do projeto, a distribuidora deve apresentar um bom plano de realização desse trabalho ao MME – Ministério de Minas e Energia – contendo os objetivos de instalações e seus motivos para tais, incluindo também a quantidade de subsídios da Tarifa Social de Energia Elétrica para os integrantes da PERS. Essa organização se deterá por meio de chamadas públicas intermediadas pela distribuidora de energia para conseguir realizar suas instalações de maneira eficaz, escolhendo a melhor empresa para tais atos. Além disso, os excedentes desse serviço podem ser coletados e utilizados pela distribuidora responsável, mediante a autorização da Aneel.

Frederico Boschin

Ana Carolina Werle

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