Hidrogênio verde: como o Brasil pode se tornar polo de produção do ‘combustível do futuro’

Produto é sustentável e pode ser obtido a partir da água residual da indústria da cana e da quebra das moléculas de etanol. Tecnologia estará em debate na Fenasucro, feira internacional de bioenergia no interior de São Paulo.

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Considerado o “combustível do futuro”, o hidrogênio verde ainda dá seus primeiros passos no Brasil, mas diferentes iniciativas podem colocar o país na rota mundial de produção da substância, vista como uma das principais alternativas para redução do uso de fontes não renováveis com carbono, o principal vilão do efeito estufa e do aquecimento global.

O tema estará em debate na Fenasucro, considerada a maior feira de bioenergia do planeta, que será realizada no Centro de Eventos Zanini, em Sertãozinho (SP), de 16 a 19 de agosto.

“O termo ‘verde’ significa que o hidrogênio é produzido por fontes renováveis, de zero emissão ou de baixo carbono”, explica Renato Vitalino Gonçalves, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, e coordenador de projetos no Centro de Pesquisa para Inovação em Gases do Efeito Estufa (RGCI).

1.Hidrogênio verde: o que é e como é produzido

O hidrogênio é o elemento químico mais abundante do planeta e só existe em combinação com outros, como a água, junto ao oxigênio, além de se combinar com o carbono para formar hidrocarbonetos como gás, carvão e petróleo. Por isso, para que possa ser usado como combustível, precisa ser separado de outras moléculas.

O hidrogênio verde é obtido a partir da quebra de moléculas que contenham H2 na composição, mas difere do chamado hidrogênio cinza, já muito usado na indústria petroquímica e na produção de fertilizantes à base de amônia, que utiliza fontes fósseis, principalmente o gás natural.

Na modalidade sustentável, o produto tem matérias-primas renováveis como por exemplo o etanol, o biogás e a vinhaça – um dos resíduos das usinas canavieiras.

O maior benefício, no entanto, seria a possibilidade de extração a partir da água, de acordo com Juliano Bonacin, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesse sentido, o setor sucroenergético poderia aproveitar a água residual de suas atividades, como a usada na lavagem da cana.

“A gente tem percebido que a questão ambiental não é um modismo. Veio para ficar. Todo mundo está precisando repensar os processos, buscar alternativas mais sustentáveis, que vão gerar certificações e impactos no faturamento das empresas no futuro”, diz.

A expansão do hidrogênio verde permitiria novos direcionamentos na indústria e na vida cotidiana, como a produção de um aço sustentável, o chamado aço verde, a substituição de parte do gás de cozinha e o abastecimento de carros, caminhões e outros veículos.

Bonacin afirma que, apesar de um cenário ainda futurista, já existem pesquisas em andamento para viabilizar o produto até em ambientes domésticos, com o uso de eletrolisadores pequenos, obtidos por meio de impressão 3D.

Nesse caso, a água seria convertida durante o dia, a partir de placas solares, em hidrogênio – que, por meio de células de combustível, poderia ser usado como fonte de energia à noite.

2.As primeiras iniciativas no Brasil

Estima-se que de 2% a 5% do hidrogênio produzido no mundo seja verde, mas no Brasil essa tecnologia é muito nova. O que existem, por ora, são plantas-piloto, geralmente conduzidas de forma experimental em parcerias público-privadas.

A maioria está no Nordeste por causa da existência de parques de energia eólica e solar, em que são ligados eletrolisadores.

Em setembro de 2021, o Governo do Ceará anunciou um investimento de R$ 42 milhões pela companhia EDP do Brasil, em uma usina de hidrogênio verde que deve começar a operar em dezembro deste ano.

Outro empreendimento é da Unigel, que fabrica produtos químicos usados em diversos segmentos industriais e fertilizantes. Em Camaçari (BA), a empresa está construindo uma fábrica de hidrogênio verde e outra para conversão em um derivado, a amônia verde – que é bastante utilizada por vários tipos de indústria, inclusive na própria Unigel.

A expectativa é terminar as obras até o final de 2023 e começar as operações, em larga escala, no início de 2024.

A primeira fase prevê um investimento de US$ 120 milhões (R$ 620 milhões), para uma produção de dez mil toneladas de hidrogênio, que serão convertidas em 60 mil toneladas de amônia. Mas a empresa já busca parceiros pensando em quadruplicar esse volume até 2025.

Segundo o diretor executivo Luiz Felipe Fustaino, a principal aposta é no mercado doméstico. “Se o mercado interno, por algum motivo, demorar para vingar, o que não acreditamos que vá acontecer, vamos apostar nos canais de exportação.”

Para Fustaino, as mudanças climáticas são uma emergência e precisam de atenção. Por isso, as matérias-primas com carbono zero são uma necessidade.

“É uma transição que o mundo está fazendo. E estamos apostando no Brasil, que pode virar um polo global de hidrogênio e amônia verde. O país tem potencial para ser uma liderança.”

3.Hidrogênio verde incorporado ao setor sucroenergético

Com extensas plantações de cana-de-açúcar e usinas sucroenergéticas, regiões como a de Ribeirão Preto (SP) também têm potencial de se tornar grandes polos de produção de hidrogênio (H2) verde nos próximos anos, segundo especialistas.

“Nossa região tem a tecnologia que o planeta vem buscar. Não tem como você falar em uma usina de cana-de-açúcar ou de quem planta cana-de-açúcar sem falar de Sertãozinho, sem falar da região de Ribeirão Preto”, afirma Paulo Montabone, diretor da Fenasucro, que anualmente reúne tecnologias bioenergéticas no interior de São Paulo.
Segundo ele, o hidrogênio verde, além de ser uma solução sustentável, se apresenta como uma alternativa de emprego e renda para as usinas.

“Cada vez que se espreme a cana, ela traz uma solução nova. Lá atrás, era o engenho de pinga. Depois, veio o açúcar, o etanol, a cogeração de energia elétrica, além de outros subprodutos, como o etanol de segunda geração, o biogás, o diesel de etanol e o hidrogênio verde.”

Para Renato Vitalino, da USP, a região de Ribeirão Preto pode ser protagonista na distribuição de hidrogênio verde para outras partes do país e também para o exterior, sobretudo países da Europa.

“Na região de Ribeirão, encontram-se polos industriais, entre eles usinas de produção de açúcar e álcool. A implementação de tecnologias em larga escala para utilização de etanol na produção de H2 verde faria da região um grande centro de produção.”

4.Quando a produção deve ganhar consistência no país?

Especialistas acreditam que, em cerca de dez anos, o Brasil terá uma posição de destaque nesse mercado. Para Juliano Bonacin, da Unicamp, porém, em um período entre dois e quatro anos, o país já será capaz de gerar uma produção significativa de hidrogênio verde.

Na região de Campinas (SP), por exemplo, empresas que já trabalham com hidrogênio começam a mudar procedimentos para a versão sustentável do combustível. Um dos desafios é a redução de custos, já que sua obtenção é quatro vezes mais cara que a do hidrogênio convencional.

“Segundo a Agência Internacional de Energia, nos próximos 30 anos, temos que atingir uma meta: igualar os preços. E aí está o grande desafio tecnológico e dos grandes investimentos, que devem passar dos trilhões de dólares no mundo inteiro”, afirma.
Um caminho interessante para a produção no Brasil, segundo Tamar Roitman, gerente executiva da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás), é a partir do biometano, proveniente do biogás, mistura de gases resultante de decomposição de materiais orgânicos, como lixo, fezes animais, palhas e restos de vegetais, como o bagaço.

Isso permitiria aproveitar o potencial das usinas sucroenergéticas, que têm plantas em várias regiões do país, para a produção de biogás a partir de materiais como a vinhaça e do tratamento de esgoto.

“Como a maior forma de produção de hidrogênio hoje é o gás natural, quando você substituir esse gás pelo renovável, que é o biometano, poderia produzir esse hidrogênio de forma totalmente renovável usando a mesma rota tecnológica, já que os processos e a infraestrutura são os mesmos. Então, essa é uma possibilidade bastante real e que já está bastante estabelecida.”

Fonte: G1

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