Troca de diesel por energia solar em comunidades amazônicas exige instalar ao menos 3 milhões de painéis até 2030

Enquanto os rios da floresta produzem energia para o país, comunidades isoladas dependem de combustíveis fósseis para ter luz.

Na região de Manaus, às margens do Rio Negro, as comunidades indígenas Cipiá e Tatuyo, que vivem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Puranga Conquista, receberam em maio deste ano kits de placas fotovoltaicas para geração de energia solar.

As comunidades, que trabalham com turismo na região, dependiam de geradores a diesel para ter eletricidade. Com as placas, que fazem parte do projeto Brilha Amazonas, do Governo do Estado, elas vão poder economizar entre R$ 1,6 mil a R$ 2 mil com o corte de gastos com combustível. E há outro ganho com iniciativas como essa: reduzir a dependência de combustíveis fósseis na floresta.

Enquanto as hidrelétricas instaladas na Amazônia produzem cerca de 25% da energia do país, comunidades isoladas – a exemplo das que vivem em Puranga Conquista – dependem de geradores a diesel porque não estão conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), que transmite energia elétrica aos consumidores de norte a sul do país.

De acordo com dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), cerca de três milhões de habitantes da Amazônia são abastecidos por usinas termelétricas a diesel não conectadas ao SIN. Além disso, quase um milhão de pessoas na Amazônia vive com apenas algumas horas de energia por dia.

Tal como a diversidade da floresta, a solução para a falta de energia na Amazônia será múltipla. O leque de possibilidades para eliminar os combustíveis fósseis do bioma inclui solar, eólica, biodiesel, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas.

Segundo o gestor de projetos do IEMA, Ricardo Baitelo, a realidade da Amazônia é oposta à do restante do Brasil com relação ao SIN. “Estamos falando de um território mais amplo e menos densamente povoado, onde as distâncias são grandes, há dificuldades logísticas para chegar às cidades e alguns locais dependem da vazão e do regime dos rios para serem acessados”, disse.

Ao pensar em novos modelos para promover a melhoria na qualidade de vida dos povos da Amazônia, a sombra que paira sobre as decisões é a capacidade de implementar alternativas sem repetir os erros do sistema que promove o desenvolvimento a qualquer custo.

Para o diretor na América Latina da ONG ambientalista 350.org, Ilan Zugman, uma parte essencial para a criação de estratégias na Amazônia é ouvir as necessidades das pessoas que vivem nos territórios. “O importante da transição energética é que ela seja justa e inclusiva”, disse.

“Não teremos uma solução única de energia para as comunidades isoladas no bioma. Dificilmente serão todas abastecidas com biodiesel, ou todas com solar, ainda mais com longas distâncias e transporte limitado a barcos ou avião”, completou.

Dentre as possibilidades existentes, a energia solar é predominante em projetos de ONGs e na estratégia do Governo Federal, que lançou o programa Luz na Amazônia em 2020. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o preço médio da energia produzida por fontes solares caiu mais de 80% entre 2013 e 2019.

Em junho, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o governo lançará “o maior plano de descarbonização do planeta, fazendo uma transição da geração de energia exclusivamente a óleo diesel nos sistemas isolados da Amazônia para o sistema solar, garantindo a segurança energética”. De acordo com o MME, estão previstos cerca de R$ 5 bilhões em investimentos para fazer a transição dos 180 sistemas isolados da Amazônia.

Outro compromisso público é o anúncio feito pela Eletrobras em 2022. Maior empresa do setor elétrico na América Latina, a Eletrobras se comprometeu a aportar R$ 2,9 bilhões ao longo de dez anos no Fundo Pró-Amazônia Legal para financiar energia renovável aos sistemas isolados da região.

Além disso, a Eletrobras é a principal mantenedora do eAmazônia, instituição independente localizada em Rio Branco, no Acre, com foco em tecnologia e inovação. Nos últimos cinco anos, os projetos de pesquisa e eficiência energética realizados pelo eAmazônia levaram mais de R$ 7 milhões em investimentos para estes territórios. Cerca de 5,2 GWh de energia são economizados a cada ano a partir das ações executadas pela instituição em organizações acreanas.

Segundo um estudo do IEMA sobre o potencial e os desafios da energia solar na Amazônia, o Governo Federal vai precisar instalar de 3 milhões a 12 milhões de equipamentos na região – a variação é referente ao tipo de bateria escolhida para o armazenamento de energia. O cálculo considera a meta de universalizar o acesso à energia elétrica em comunidades remotas até 2030.

Essa quantidade de equipamentos significa que também haverá mais resíduo na floresta. De acordo com o IEMA, no final da vida útil dos sistemas implantados no programa, entre 71 e 237 mil toneladas de resíduos seriam produzidas.

Ainda, o levantamento mostra que o crescimento da geração de resíduos deve acontecer a partir de 2047, quase triplicando a massa anual de resíduos em 2049 devido ao fim de vida útil da maioria dos módulos fotovoltaicos.

De acordo com Baitelo, do IEMA, regiões específicas de Roraima e do Pará têm condições para a geração de energia eólica. Na Amazônia como um todo, há locais com quedas d’água que podem propiciar a instalação de pequenas centrais hidrelétricas – estas, contudo, também devem ser avaliadas individualmente por causa dos impactos gerados com o represamento de rios.

Com a forte dependência do diesel para geradores e motores de barco na região, o biodiesel – combustível produzido a partir de óleos vegetais – chama a atenção pelo potencial de substituição quase imediata para alguns usos.

Até mesmo o óleo de soja poderia ser usado para intensificar a produção do combustível, por exemplo. Na Amazônia, a plantação de palma (também conhecida como dendê) é um mercado que vem ganhando espaço para a produção de óleo com a finalidade de transformação em biodiesel.

A legislação brasileira não permite derrubar áreas nativas para a plantação de palma, mas o cultivo é autorizado em áreas degradadas. Ainda assim, a produção se torna uma monocultura e há casos de conflitos agrários com comunidades tradicionais.

Fonte: Um só planeta

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