Conquistas e Dores de Crescimento do Solar em Portugal

Um retrato da indústria solar fotovoltaica portuguesa

António Farracho, Técnico Lisboa – Universidade de Lisboa, Portugal

Rui Castro, Técnico Lisboa – Universidade de Lisboa & INESC-ID, Portugal

Introdução

O Sol de Portugal é, atualmente, um dos mais desejados do mundo. Nos últimos 2 anos, a indústria das grandes centrais solares fotovoltaicas tem brindado o país com uma verdadeira avalanche de novos projetos a entrarem em fase de licenciamento. Pondo o assunto em números: Portugal tinha, até ao final de 2020, a modesta capacidade solar instalada de apenas 1 GW (contra mais de 5GW instalados em centrais eólicas). De acordo com os dados divulgados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) [1], existem neste momento mais 80 projetos em fase inicial, elegíveis para conquistar a sua hipótese de injetar energia verde na rede portuguesa. No seu total, esses projetos somam cerca de 17 GW de potência instalada, o que, conforme indicado, representa exatamente 17 vezes a capacidade solar já construída e a operar e praticamente o mesmo que o país já tem de capacidade instalada se somarmos todas as fontes de energia existentes.

Figura 1 – Central Solara4, Alcoutim

Problemas de crescimento – os constrangimentos da rede

O interesse é tanto que são os próprios investidores a assumir os custos de reforço da infraestrutura auxiliar que permite escoar a energia produzida, através de acordos diretos com o Transmission System Operator (TSO), posição que em Portugal é assegurada pela REN (Redes Energéticas Nacionais). Este tipo de acordo resolve um dos problemas que neste momento formam o bottleneck do desenvolvimento solar: a rede de transporte e distribuição de energia em Portugal não está a acompanhar o crescimento das grandes solares fotovoltaicas. Apesar disso, as condições para a produção solar são tão boas em Portugal que os próprios produtores estão disponíveis para cobrir os custos de melhoramento da rede pública de infraestruturas de elevação de tensão e transporte de energia.

Neste momento, a complexa rede energética nacional está em vias de ser reformulada por um investimento privado total previsto da ordem de grandeza das centenas de milhões de euros, associado a centrais que já produzem em regime de mercado – sem feed-in tariffs, oneração para o consumidor, ou para o contribuinte. Este aparente problema está assim a transformar-se num pequeno jackpot para o consumidor português de energia. A título de exemplo, uma central de larga escala com 250MW faz, em média, um investimento superior a 20 milhões de euros em infraestruturas de transmissão. Estamos a falar de um valor que seria incomportável para os bolsos do consumidor final que desde há décadas tem contribuindo para o desenvolvimento da tecnologia solar através das já extintas feed-in tariffs. A reconfiguração e atualização da rede portuguesa está a ser financiada por privados, que investem milhões de euros em linhas que depois são passadas a custo zero para o TSO e o Distribution System Operator (DSO), neste caso, uma empresa do grupo EDP (Energias de Portugal). Através do investimento em infraestrutura capaz de escoar a energia produzida, a rede nacional está a ver múltiplas subestações a nascer e várias novas linhas de média, alta e muito alta tensão a serem construídas em zonas do país em que o investimento era tipicamente parco.

A forte procura por parte das empresas por contratos de fornecimento de energia limpa está a contribuir para a entrada de cada vez mais investidores multinacionais neste ramo de mercado, com o objetivo de colmatar essa lacuna. A alocação de fundos à construção de projetos fotovoltaicos, assegurando mais tarde contratos de tipo Power Purchase Agreement (PPA) para a venda da energia produzida que resulta em cash-flows estáveis e garantidos associados à venda, faz com que esta seja uma estratégia de investimento difícil de bater.

E há mais, já que os 80 projetos anteriormente mencionados se juntam a um conjunto de 14 outros que já têm um acordo fechado e estão prontos para avançar [2]. Este grupo totaliza já 3.5 GW de capacidade instalada. E mesmo esses estão também a enveredar apenas por uma das várias vias possíveis para obter uma autorização para produzir. Em 2019 e 2020 o atual governo português estreou uma nova modalidade de atribuição de pontos de injeção na rede através de um mecanismo concorrencial, sob a forma de leilão, que deu aos interessados a possibilidade de arrematarem títulos de reserva de capacidade em troca de um contrato para venda da energia a um preço fixado em leilão. A capacidade adicional atribuída foi de mais 2 GW e a ideia passa por manter esta iniciativa ao longo dos próximos anos.

O problema da área ocupada e as soluções fora da caixa

No caso do leilão conduzido em 2020, os lotes lançados pelo governo português também consideravam a possibilidade de associar tecnologias de armazenamento aos projetos e incluíam um sistema de cálculos adicionais para comparar as várias propostas de um ponto de vista do Valor Atual Líquido. A corrida aos pontos de acesso à rede em sistema de livre concorrência tem resultado em sucessivos recordes do preço dos acordos celebrados, já que nesta modalidade de leilão as empresas assumem que vão vender a energia que produzem durante 15 anos, mas posteriormente ficam com um ponto de injeção na rede sem data de expiração, podendo celebrar contratos em moldes de PPA nos termos em que melhor lhes convier e com a entidade com a qual escolherem negociar. Esta realidade resultou em preços que constituíam, na altura, novos recordes no preço de venda ao atribuir um lote com um preço garantido de venda de energia a 14,76€ por MWh em 2019, renovando esse mesmo recorde no ano seguinte com um valor de 11,14€ por MWh e provando assim o valor daquilo que se transforma num verdadeiro ativo: um ponto de injeção na rede em Portugal [3]. Em perspetiva, no ano de 2019, o preço médio ibérico no mercado grossista rondou os 48€ por MWh.

A versão de 2021 desse Leilão, que tem vindo a ser conduzido anualmente, vai debruçar-se em exclusivo sobre uma tecnologia distinta e de adoção ainda reduzida: os painéis fotovoltaicos flutuantes. Existem alguns projetos-piloto em Portugal, nomeadamente um sistema instalado pela EDP há cerca de 5 anos na barragem do Alto do Rabagão, em Montalegre, que permite assim complementar a energia hídrica da barragem com a energia solar de 840 módulos fotovoltaicos [4]. Instalação similar está agora em fase de projeto na barragem do Alqueva, com uma escala bastante maior [5].

Figura 2 – Projeto solar fotovoltaico flutuante da EDP na Barragem do Alto Rabagão

Os custos associados a este tipo de instalação são ainda bastante desconhecidos e o know-how para a implementar é reduzido, mas a modalidade vem dar resposta aos anseios de uma fatia da população que começa a ver no desenvolvimento das centrais de grande escala um problema relacionado com a extensa área necessária e consequentes impactes paisagísticos. Os promotores em Portugal têm vindo a desenvolver cada vez mais medidas para mitigar esta realidade, mas os projetos solares flutuantes constituem uma nova alternativa para recorrer a uma área que de outro modo não seria utilizada. A junção contribui ainda para uma certa simbiose entre os painéis e o espelho de água, por resultarem na diminuição da temperatura dos primeiros e consequente aumento de eficiência, e também pela diminuição da evaporação de água nos segundos. No final das contas, são projetos que se adaptam ao território disponível e em que certamente não veremos serem quebrados recordes ao nível dos preços, mas que são importantes em nome da versatilidade das soluções disponíveis.

Outras soluções para complementar a forte procura dos investidores em projetos de grande escala têm surgido como cogumelos. A combinação entre agricultura e produção fotovoltaica, com o intuito principal de criar sinergias e limitar a área ocupada, é um dos focos mais recentes de interesse. O Ministério da Agricultura português lançou um apoio especial de 10 milhões de euros para financiar projetos que incluam estas duas áreas de atuação [6]. A combinação de produção agrónoma com módulos pode trazer também ela benefícios simbióticos, por exemplo, através do cultivo de várias espécies de plantas que ficam mais protegidas de fenómenos meteorológicos. Outra vantagem pode passar pela combinação de rebanhos de ovelhas que contribuem para o controlo da vegetação que eventualmente poderia causar sombras nos módulos, recebendo em troca uma bem-vinda sombra debaixo das estruturas, algo que resulta numa redução da quantidade de água consumida pelos animais.

Figura 3 – Exemplo de aplicação do conceito de projeto agrivoltaico

Outras tendências surgem no apoio à produção descentralizada, com o ano de 2021 a tornar-se, muito provavelmente, no ano de arranque de várias iniciativas ligadas ao desenvolvimento de “bairros solares” e de produção comunitária a um nível local. Ainda que a produção em grande escala seja mais eficiente do ponto de vista dos custos envolvidos, estas são também peças importantes de um puzzle que inclui ainda tecnologias de hibridização entre energia eólica e solar num único ponto de injeção na rede, tirando proveito da complementaridade dos dois recursos para maximizar a utilização das infraestruturas. O mesmo interesse está a ser despertado em investidores nacionais e internacionais para projetos que integrem a possibilidade de armazenamento da energia produzida, seja com o recurso a baterias de lítio, seja através da utilização do excedente para a produção – através de eletrolisadores alimentados por energia solar fotovoltaica – de Hidrogénio verde e/ou Amoníaco.

A adaptação e o empurrão das petrolíferas

Do ponto de vista ambiental, Portugal afigura-se também como um showcase do impacto que a economia de mercado e a pandemia Covid-19 tiveram no negócio core das petrolíferas. A indústria da extração, refinação e distribuição de Petróleo é desde há várias décadas uma das mais lucrativas do mundo, mas mesmo os players dessa envergadura têm vindo a ser cada vez mais pressionados para se adaptar, reinventar e reestruturar as suas operações, alinhando-se com a consciencialização dos clientes e a alteração nos hábitos de consumo, numa junção de forças em que o ambiente sai a ganhar.

Empresas como a Galp, Repsol, Total e BP têm neste momento em curso operações de avultado investimento para a entrada na indústria da produção de energia solar portuguesa. No caso da Galp, a empresa é neste momento o maior player de energia fotovoltaica da Península Ibérica em termos de projetos em pipeline e iniciou recentemente a construção de um dos maiores parques de energia limpa em Alcoutim. O compromisso que em dezembro de 2020 foi escrito na pedra com a assinatura de um pacto de cooperação entre vários gigantes mundiais do sector, como a BP, Eni, Equinor, Occidental, Repsol, Royal Dutch, Shell, Total e Galp, para acelerar o contributo da indústria petrolífera para as reduções nas emissões de gases de efeito de estufa. Um marco importante dado o peso das petrolíferas em termos de know-how, infraestruturas e capacidade de investimento [7]. 

Outros fatores impulsionadores – o papel político e o papel da tecnologia

Os últimos anos em Portugal têm também sido férteis em aguerrido escrutínio público com uma perseguição cada vez mais cerrada às grandes indústrias poluidoras. Por conseguinte, a integração de energias renováveis no mix de consumo das populações é hoje um dos principais objetivos do país. O Plano Nacional Energia e Clima para 2030 (PNEC 2030) definiu especificamente a meta de 9 GW de energia solar fotovoltaica instalada e a operar até ao final da década, assumindo um ponto de partida de 2 GW instalados em 2020 [8], algo que já não se confirmou e que aumenta a pressão nesta meta. O objetivo é arrojado e reiterado pelo Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), que estabelece a fasquia de atingir 100% de produção de eletricidade renovável em 2050, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa em 85 a 99% do que eram em 2005 [9].

Prevê-se que a Energia Solar Fotovoltaica contribua com peso nesse caminho, catapultada pela forte quebra nos custos da cadeia de produção de energia a partir do Sol – com reflexo imediato no Levelized Cost of Energy (LCOE). Este indicador permite avaliar a performance económica de tecnologias complexas e cujos custos se estendem muitas vezes ao longo de um período temporal extenso, avaliando qual é a forma mais barata de produzir energia. Em 2020, o LCOE das tecnologias de produção solar de grande escala desceu pela primeira vez abaixo do LCOE das Centrais de Ciclo Combinado, e a tecnologia solar é hoje, a par da eólica, a tecnologia de produção que permite obter energia a um custo mais reduzido [10]. Segundo os dados da IRENA recolhidos a partir de mais de 17 mil projetos em 2019, os custos da produção solar caíram 82% desde 2010 [11].

No caso das centrais fotovoltaicas de grande escala, o decréscimo do LCOE é rampante: 11% por ano durante os últimos cinco anos [10], um fenómeno causado pela apresentação sucessiva de novas soluções para módulos (90% de diminuição no preço desde 2010), inversores, trackers e metodologias de projeto, que foram forçadas a desenvolver-se por culpa de uma grande competição entre produtores espalhados por todo o mundo. O corte nos custos tem levado a uma corrida ao investimento tecnológico e ao desenvolvimento de soluções técnicas capazes de tornar a tecnologia solar fotovoltaica ainda mais competitiva, mas nem sempre mais sustentável. A produção de módulos com condições de trabalho difíceis de escrutinar tem sido um dos principais problemas na sustentabilidade da indústria, mas contra os quais alguns players-chave da produção de módulos já se insurgiram. 

Conclusões

Apesar de todas as dores de crescimento, ainda no mês passado (Maio 2021) a Agência Internacional de Energia (IEA) modificou as suas previsões iniciais para o crescimento global da energia eólica e solar em mais 25% em comparação com os números publicados apenas seis meses antes. A IEA prevê um crescimento 40% maior em 2021 do que o do ano anterior, e coloca mesmo a capacidade de energia eólica e solar ao nível da capacidade instalada de produção a gás natural em 2022 [12]. Os problemas fazem parte de uma tecnologia que se está a expandir de forma explosiva e a indústria como um todo tem que se unir para os resolver. Nesse caso, espera-se um futuro risonho.

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