Novo plano de energia renovável do México é ambicioso, mas ainda vago
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Após três anos apoiando firmemente a indústria petrolífera, o governo mexicano anunciou um novo plano de energia renovável que poderia servir de trampolim para a transição energética do país.
Apresentado na recente cúpula climática da COP27 no Egito, o Plano Sonora apresenta iniciativas de infraestrutura verde para o estado de mesmo nome, voltado para aumentar a produção de energia renovável e a capacidade industrial do México. As propostas incluem a construção de uma das maiores usinas de energia solar do mundo na cidade de Puerto Peñasco, a exploração de reservas de lítio, a produção de peças para veículos elétricos e a expansão do porto de Guaymas – vital para a exportação de minerais e automóveis em Sonora.
O plano é lançado anos depois de disputas diplomáticas e pressões dos Estados Unidos. Desde janeiro de 2020, o enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, visitou o México pelo menos três vezes, em um esforço de convencer o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, popularmente conhecido como AMLO, a promover energias renováveis. Os EUA acusaram o México de violar os termos do acordo comercial Estados Unidos-México-Canadá, dadas as políticas de AMLO de restringir empresas privadas de participar do setor elétrico mexicano — fato visto pelos EUA como uma barreira às renováveis.
Para Jeremy Martin, vice-presidente de energia e sustentabilidade do Instituto das Américas, o Plano Sonora é o “resultado político de um grande esforço” dos Estados Unidos, mas ainda carece de definição.
“É apenas um esboço, faltam os detalhes. Há objetivos, algumas ideias, mas ainda há muito a ser definido”, diz Martin.
Energia Solar no Plano Sonora
A usina de energia solar no município costeiro de Puerto Peñasco, um dos destaques do Plano Sonora, não é um projeto novo: a Comissão Federal de Eletricidade (CFE), estatal mexicana de geração e distribuição elétrica, começou sua obra em maio. Com um custo previsto de US$ 1,6 bilhão conforme o próprio López Obrador, a usina terá capacidade instalada de 1.000 megawatts (MW), o que a torna a maior do tipo na América Latina e uma das maiores do mundo. Ela fornecerá 120 MW ao estado de Sonora e 880 MW ao estado vizinho de Baja California, por meio de uma linha de transmissão de 144 quilômetros. No total, ela abastecerá aproximadamente 1,6 milhão de pessoas.
A primeira fase, programada para entrar em operação em abril, gerará 120 MW e a segunda, até 2024, 300 MW. O projeto deve alcançar sua capacidade total até 2027, quando as obras forem concluídas.
A usina está situada a cerca de 2,3 mil quilômetros da Cidade do México, em uma área com abundante geração de energia. Sonora abriga oito usinas de energia solar, com duas em construção, além de um parque eólico, sete usinas a gás e uma termelétrica a óleo.
Para Nélida Barajas, diretora do Centro Intercultural de Sonora para o Estudo dos Desertos e Oceanos, o parque solar de Puerto Peñasco é um passo na direção certa, mas não é suficiente.
A usina, disse Barajas, “pode impulsionar as economias locais com a diversificação das atividades, gerar eletricidade mais barata, garantir acesso à internet e água potável”. Mas, com sua repentina instalação, será preciso um forte planejamento para promover esses benefícios, acrescenta a especialista. Até agora, no entanto, pouco foi divulgado sobre o projeto.
Lítio, a peça-chave
A proposta mais complexa do Plano Sonora está na extração de lítio, mineral fundamental para a fabricação de baterias para veículos elétricos (VEs).
Em agosto, o governo mexicano decretou a criação de uma empresa estatal de lítio, a Lithium for Mexico (LitioMx), que será responsável pela exploração e uso do recurso, bem como pelo desenvolvimento de estratégias e projetos relacionados. Mas a empresa ainda não recebeu verba do Estado.
O México prevê utilizar suas reservas nacionais de lítio para montar baterias de VEs. O problema é que os depósitos do mineral em Sonora são encontrados na forma de argila em vez de salmoura, o que requer uma tecnologia mais cara. Na extração convencional – que ocorre por exemplo no Chile, lar das maiores reservas mundiais de lítio –, reservatórios de salmoura são bombeados do solo e evaporam com o sol para a obtenção do carbonato de lítio. Em ambos casos, a extração requer grandes volumes de água.
Isso pode representar um obstáculo no norte do México, frequentemente assolado pela seca. Dos 60 aquíferos de Sonora, 19 sofrem déficits hídricos, o que somou um déficit de 526 milhões de metros cúbicos em 2020, de acordo com a Comissão Nacional da Água.
Em 2021, o México tinha 16 projetos de mineração de lítio, dos quais cinco estavam localizados em Sonora, conforme a Direção Geral de Desenvolvimento Minerário do Ministério da Economia. Enquanto a maioria está em fase de estudos, o mais avançado pertence à Bacanora Lithium, subsidiária da mineradora chinesa Ganfeng Lithium, que disse planejar a construção de uma refinaria para 2023. A Bacanora estima que o depósito abrigue até 8,8 milhões de toneladas de lítio, o que o tornaria um dos maiores do mundo.
Potencial de veículos elétricos
Durante a COP26, realizada em 2021 na Escócia, o México assinou a coalizão Accelerating to Zero, acordo para promover a adoção de veículos com zero emissões de carbono e eliminar a produção de automóveis a combustão até 2040. O México quer fabricar EVs e utilizar o lítio extraído localmente na produção de baterias. Mas ainda não está claro como a cadeia entre a extração de lítio e a produção de baterias se integrariam, entre outras questões pendentes.
Considerando a bem estabelecida indústria automobilística do país, há um potencial evidente para a produção de EVs no México. Cerca de 5% dos veículos fabricados no país este ano foram elétricos, com quatro linhas de montagem ativas, voltadas principalmente para o mercado americano: a Ford constrói seu Mustang Mach-E em uma fábrica mexicana; a Giant Motors, sua linha JAC; a Audi, o modelo Q5; e a Zacua, a primeira marca de carros elétricos produzidos no México. Vários outros fabricantes anunciaram planos de produzir EVs no México, incluindo a General Motors, Volkswagen e a boliviana Quantum.
A meta de 2040 e o potencial aumento das exportações, principalmente para os Estados Unidos, devem incentivar a indústria mexicana de veículos elétricos, com o Plano Sonora puxando essa transição. O governo mexicano destinou US$ 48 bilhões para todos os setores associados ao plano e estipulou que 50% dos veículos produzidos no país tenham zero emissões até 2030.
O lítio é um componente fundamental na produção de baterias de EVs, mas a montagem das baterias é praticamente inexistente no México. Empresas da Alemanha, China, Coréia do Sul e Cingapura dominam o mercado global, no qual o México pretende entrar com pouco conhecimento técnico e experiência.
Para Jeremy Martin, do Instituto das Américas, ainda não se sabe como o lítio extraído no México poderia ser convertido no produto final previsto pelo governo, como baterias ou semicondutores. O presidente AMLO sugeriu que as empresas privadas façam parcerias com a CFE ou a LitioMx.
“O governo permite parceiros privados, mas falta clareza a esse respeito”, aponta Martin. “O problema é quanto tempo levará para se construir essa cadeia. As empresas não aparecem como cogumelos, da noite para o dia. Não sei como podemos superar essa etapa no médio prazo”.
Antes da chegada do Plano Sonora, a transição energética do México estava num limbo. Desde que AMLO assumiu o poder em 2018, seu governo decretou e manteve políticas energéticas favoráveis aos combustíveis fósseis, apoiando as usinas de petróleo, gás e hidrelétricas, em detrimento das energias eólica e solar.
Agora que o presidente entra nos dois últimos anos de mandato, veremos se o novo plano pode ou não mudar essa situação.
Fonte: Diálogo Chino