Petroleiras no Brasil investem em parcerias e pesquisa, nos primeiros passos em energia renovável

Com alta dependência de combustíveis fósseis, empresas tradicionais do setor começam a diversificar seus portfólios.

Em maio deste ano, o Ibama negou um pedido da Petrobras para explorar petróleo na Foz do Amazonas, na região da Margem Equatorial. Apesar da negativa, a petroleira apresentou um novo pedido para que a agência ambiental reconsiderasse a decisão. O imbróglio não tem data para chegar a um fim, mas a situação evidenciou como empresas do setor ainda têm planos para extrair combustíveis fósseis que só trarão resultados daqui a algumas décadas – quando, teoricamente, a demanda terá caído drasticamente e o mundo estará dando passos largos rumo à transição energética.

Além de ir no caminho oposto ao do movimento global para descarbonizar a economia, o bloco em questão – o FZA-M-59 – representa uma frente de exploração na floresta que é símbolo do combate à crise climática. No Brasil, o principal estado produtor de petróleo é o Rio de Janeiro, sendo que a maior parte da produção é extraída da Bacia de Campos, que se estende do Espírito Santo, na altura de Vitória, até Arraial do Cabo, no litoral norte do Rio de Janeiro.

Por sua vez, a Bacia de Santos, que abrange os estados do Paraná, de Santa Catarina, de São Paulo e do Rio de Janeiro, é a maior produtora de petróleo e gás natural no país e tem as principais camadas de pré-sal.

De acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), 82 grupos de exploração de petróleo e gás atuam no país, e eles representam 21 nacionalidades, incluindo a brasileira. Os exploradores são de países como Austrália, Canadá, Espanha, Japão, Noruega, Reino Unido, entre outros.

Segundo a agência, a produção nacional de petróleo aumentou 4% em 2022. Com o aumento, o montante chegou a 3 milhões de barris por dia. As extrações do pré-sal representaram 76% da atividade no Brasil e atingiu a média de 2,3 milhões de barris por dia no ano passado.

Em 2022, houve aumento de 12,2% nas reservas provadas de petróleo em comparação a 2021. Também houve aumento de 9,7% no volume relativo ao somatório de reservas provadas e prováveis e de 11,1% no somatório das provadas, prováveis e possíveis.

Enquanto a exploração de petróleo aumenta, dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que as emissões globais de gases de efeito estufa devem ser cortadas pela metade até 2030. Globalmente, o setor de energia, que inclui eletricidade, aquecimento, transporte e outros usos, é o que mais contribui com as emissões de gases que aquecem a Terra, representando dois terços do total.

De acordo com o diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, Juliano Araújo, é preciso pensar em como o país estará daqui a duas décadas. “Os ciclos de mudança tecnológica são longos. É como se voltássemos no tempo das carroças, quando muitos não queriam veículos a combustão. Estamos neste momento de tomada de decisão. Queremos ficar amarrados na tecnologia do século 19 ou aproveitar o momento para dar um salto de tecnologia,” questionou Araújo.

Iniciativas para a transição
Em território brasileiro, empresas multinacionais estão investindo em energia limpa. Para o coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Ricardo Baitelo, a proporção do dinheiro investido em renováveis e em fósseis é muito discrepante. “Vemos uma mudança com gás natural na frente, porque emite menos do que os derivados do petróleo, mas ele ainda tem uma série de complicações. Deveríamos descontinuar os dois, petróleo e gás, ao mesmo tempo. Mesmo com projetos em solar e eólica, os investimentos ainda são desproporcionais nas grandes empresas”, disse.

No caso da Petrobras, maior empresa de petróleo do Brasil e uma das maiores do mundo, há medidas para incluir a transição energética nos planos da empresa, mas combustíveis fósseis ainda são a prioridade, a exemplo da exploração na Foz do Amazonas. Em abril, foi criada a diretoria de Transição Energética e Energias Renováveis. Na sequência, em junho, o BNDES e a Petrobras assinaram um acordo de transição energética e pesquisa. No mesmo mês, ao anunciar a revisão do plano estratégico de 2024 a 2028, a Petrobras declarou que vai direcionar de 6% a 15% do investimento previsto para projetos de renováveis e de soluções de baixo carbono.

No Brasil, a francesa TotalEnergies tem 300 MW de projetos em solar e eólica onshore em operação. Em outubro de 2022, a empresa constituiu uma joint-venture com a Casa dos Ventos, empresa brasileira de energia renovável, para desenvolver um portfólio de 12 GW. Ainda, a TotalEnergies tem 77 projetos de pesquisa e desenvolvimento – somadas, as investidas chegam a R$ 408 milhões. Destes, 24 foram assinados recentemente no segmento de energias renováveis em convênios com USP, UFRJ e Unicamp, totalizando R$ 134 milhões de reais. Em 2022, as energias renováveis geraram R$ 293 milhões de receita líquida.

Em atividade no Brasil desde 1912, a norte-americana ExxonMobil tem participação em 26 blocos exploratórios e um campo em desenvolvimento. Uma das prioridades da petroleira é o desenvolvimento de tecnologias para a produção de energia mais limpa por meio do armazenamento de carbono, hidrogênio e biocombustíveis. Até 2027, estão previstos investimentos de aproximadamente US$ 17 bilhões em iniciativas para reduções de emissões de gases de efeito estufa na operação da empresa.

Para a britânica British Petroleum, a bp, o Brasil se destaca entre os países prioritários para o desenvolvimento de novos negócios em energias renováveis. Segundo a bp, a proporção do investimento global em renováveis cresceu de 3% em 2019 para 30% em 2022. Em 2030, a bp estima que seus investimentos em renováveis e demais projetos gerem um crescimento adicional do EBITDA (sigla para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) em US$ 5 a 6 bilhões. Isso incluiria US$ 2 bilhões adicionais de projetos de energias de baixo carbono e US$ 3 a 4 bilhões de petróleo e gás.

A empresa investe em gás natural, biocombustíveis e energia solar, principalmente. No caso do gás natural – que é um combustível fóssil –, a bp participa da joint-venture Gás Natural Açu (GNA). O grupo está construindo o maior parque termelétrico a gás natural da América Latina, localizado no Porto do Açu, no Rio de Janeiro. No caso da energia solar, há um acordo entre o governo do Ceará e a Lightsource bp – outra joint-venture com a companhia – para ampliar o desenvolvimento no estado durante cinco anos. No Complexo Solar Milagres, no município de Abaiara, foram investidos R$ 800 milhões – a expectativa é que ele comece a operar comercialmente em 2024 com foco no mercado livre de energia.

Violações em projetos renováveis
Com a corrida para o desenvolvimento de empreendimentos de geração de energia limpa, casos de violações de direitos humanos e de danos ao meio ambiente em projetos de renováveis começaram a se tornar mais comuns. As iniciativas são necessárias, mas os investimentos para uma economia sustentável não podem repetir os erros do desenvolvimento a qualquer custo.

Para o diretor na América Latina da ONG ambientalista 350.org, Ilan Zugman, é preciso pensar na finalidade de tantos negócios para a geração de energia. “As empresas no Brasil querem investir em tudo, como petróleo, gás, solar, eólica e hidrogênio. Para quem será toda essa energia? O Brasil quer se tornar um exportador de energia? Existe uma discussão profunda sobre a necessidade de tanta energia e a que custo ela será gerada”, disse.

Outra questão é a diferença do tratamento a países do Norte e do Sul global. Enquanto países europeus não discutem mais a exploração de petróleo em seus territórios, a América Latina e a África ainda são alvos de interesse na busca por combustíveis fósseis. Para Araújo, do Arayara, é preciso pensar em como compensar as desigualdades históricas. “Países do Norte global exploraram o Sul durante séculos e eles precisam subsidiar parte dessa mudança e dessa transição energética. Não como assistencialismo, mas sim como obrigação para que os países tenham oportunidade de crescimento e de desenvolvimento”, afirmou.

Fonte: Um só Planeta

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