Semicondutores, mercados globais e o desenvolvimento sustentável

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) acelerou a entrada de milhões de pessoas e negócios na era digital. Isto só foi possível porque aprendemos a lidar facilmente com tablets, smartphones e computadores. São equipamentos com os quais passamos, efetivamente, a interagir para nossa educação, no consumo, no divertimento e nas finanças. Este aumento do nível de digitalização impactou no aumento forte da demanda por estes equipamentos, que por sua vez pressionam as empresas na sua produção, que por sua vez consomem intensivamente semicondutores ou chips. É a lei da oferta e procura! Globalmente faltam semicondutores por causa do aumento do consumo, em todas as partes do mundo.

O tamanho do mercado mundial de semicondutores foi da ordem de US$ 4,25 bi em 2020, com crescimento previsto de 4,8% no período de 2020-2025, segundo estimativas da Associação Americana de Semicondutores. Em 2018, estima-se, tenham sido comercializados mundialmente cerca de 1 trilhão de semicondutores. Estes números, potencialmente, especialmente ligados ao crescimento do mercado, devem ter sido altamente impactados pela pandemia de Covid. A expansão, além deste impacto cíclico não previsto destes últimos 2 anos, está associada à incorporação de tecnologias avançadas em eletrônicos de consumo de massa, como é o caso da ampliação da Internet das Coisas (IoT). Novas fronteiras que ampliam o acesso a tecnologia de novos segmentos da população mundial.

Mercado Mundial de Semicondutores 1987-2021(em US$ Bi)

Figura 1: Extraído da publicação Semiconductor industry sales worldwide 1987-2021 Report, por Thomas Alsop (2021).

Há alguns segmentos mais sensíveis, pois embarcam ou utilizam mais semicondutores ou chips. Como, por exemplo, a indústria de eletroeletrônicos. É o caso dos smartphones, tablets e computadores, onde os chips são empregados de várias formas: memória, vídeo, voz e conexão. Ou seja, está na essência destes produtos o uso de chips. Outros setores sensíveis são aqueles onde os semicondutores são responsáveis por uma parcela importante da agregação de valor ao produto. É o caso do setor automotivo, que nas últimas duas décadas se tornou usuário intensivo de semicondutores, especialmente no desenvolvimento e lançamentos de carros elétricos ou híbridos, ou mesmo através de complexos sistemas integrados de circuitos de controle de iluminação, motores, climatização e em tecnologias mais avançadas como IoT e Inteligência Artificial. Falo aqui somente dos mais sensíveis, mas a presença de semicondutores está em todos os campos: desde a saúde até a agricultura.

A indústria de semicondutores é intensiva em conhecimento e em investimento. De certa maneira este setor se aloca onde ela encontra 3 condições: profissionais da área de engenharia microeletrônicas; capacidade de investimento intensivo (ela precisa investir recorrentemente em fazer chips mais potentes com tamanho menor) e mercado (ela se vincula ao mercado consumidor da indústria eletroeletrônica, principalmente). Nas últimas décadas houve uma concentração do mercado produtor de eletroeletrônicos na Ásia. Países como China, Japão, Taiwan e Coreia do Sul, juntas já representam 65% do mercado global de semicondutores, segundo o Power Semiconductor Market – Growth, Trends, Forecasts 2020 – 2025, produzido pela Intrado, Global News Wire. 

O protagonismo nesta área já foi dos Estados Unisinos, que agora retoma investimentos gigantes fazendo renascer a indústria de semicondutores no país. Recentemente o governo Joe Biden anunciou investimentos da ordem de US$ 50 bi para fins de recomposição da infraestrutura nacional de produção de semicondutores e impulsionar esta cadeia produtiva. Tudo em função do caráter estratégico do setor para a indústria de hoje e do amanhã.

A crise global atual de escassez de semicondutores é fruto deste boom de consumo global decorrente da pandemia. É uma fase de consumo acima da média e não deverá persistir neste pico. Portanto, na minha visão, esta é uma crise temporária no tamanho em que está hoje. Paralelamente há investimentos importantes anunciados, a exemplo dos USA, para a retomada desta indústria estratégica. Estes investimentos, que também começam a aparecer na Europa, devem fazer frente ao aumento do consumo do setor, no médio prazo.   

O Brasil ainda patina na consolidação de uma indústria nacional de produção de semicondutores, forte e de impacto global. O mercado brasileiro de semicondutores é da ordem de 4,5 bilhões de dólares (2019).  Fato é que esta é uma indústria que no mundo inteiro precisa ter políticas públicas para suportar a dinâmica de seu desenvolvimento e a competição global. Temos poucas empresas produtoras no Brasil, e é delas que são parte importante do conteúdo nacional dos eletroeletrônicos aqui produzidos. Aqui no Parque Tecnológico São Leopoldo – Tecnosinos temos a HT Micron, numa parceria brasileira coreana, onde fizemos emergir a maior fábrica de encapsulamento e testes de semicondutores da América Latina. Hoje a HT desenvolveu o primeiro SIP para a Internet das Coisas, nacional, e que já está em 25 países distribuídos em todos os continentes.

Figura 2: iMCP – HT32SX foi desenvolvido em parceria pela HT Micron e o iTT Chip.

Esta participação marginal do Brasil no mercado produtor de semicondutores traz consigo a dependência de importações nesta área, e mais grave do que isto, afasta o Brasil deste jogo global da produção de bens de alto valor agregado com base em tecnologias avançadas de conteúdo nacional. Neste sentido, ter uma política nacional de apoio à indústria de semicondutores, na minha opinião é, ao mesmo tempo, essencial para que as empresas existam nacionalmente, como também, por uma questão de isonomia internacional do ambiente de produção. No mundo inteiro, pelo caráter estratégico da indústria de semicondutores, ela é incentivada por políticas públicas, a exemplo do Programa de apoio ao desenvolvimento tecnológico da indústria de semicondutores (Padis).

Esta é uma indústria estratégica no mundo e não podemos desistir de participar como produtores.  Infelizmente, a situação no Brasil é crítica neste momento. Estamos prestes a ter o vencimento da política pública que incentiva o surgimento e expansão da indústria nacional de semicondutores, denominada Padis, no início de 2022.  Até agora estamos todos lutando pela sua prorrogação. O fim do Padis afetará sobremaneira a indústria de semicondutores do Brasil. A prorrogação depende de nova Lei, que precisa ser sancionada ainda este ano, no máximo até o final de setembro. Estamos, em parceria com a indústria nacional, acionando a Câmara e o Senado para que não deixem sucumbir à indústria de semicondutores do Brasil. A prorrogação do PADIS é essencial para tal.

Tecnologia para avançar

No Tecnosinos, há muitas empresas que produzem soluções e produtos com base em semicondutores. Desde biosensores na área da saúde até um chip IoT para medidor autônomo público de água. Trata-se também da necessidade da ampliação de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para gerar inovação tecnológica no setor. É possível utilizar sensores em projetos que perpassam setores tradicionais da nossa economia, através do uso de inteligência artificial e tecnologia da informação. Um exemplo de aplicações de semicondutores no agronegócio é a startup Raks Tecnologia Agrícola, que está instalada no Tecnosinos desde 2017, desenvolveu um Sistema para Otimização da Irrigação (Simi), que permite aumento na produção de alimentos, redução dos gastos com energia elétrica e minimiza o impacto ambiental pela redução do desperdício de água. O sistema utiliza um sensor de umidade de solo com tecnologia TDR (Reflectometria no Domínio do Tempo), que pode medir o tempo de viagem de uma onda eletromagnética ao longo de uma haste até chegar no solo e ser refletiva. 

Chamado HidRAKS 900, o sensor atua em uma profundidade do solo onde estão localizadas a maior parte das raízes que absorvem água e nutrientes. A inovação pode ser aplicada em diversos tipos de cultivos como, por exemplo, na cultura da nogueira-pecã. Atualmente, o Rio Grande do Sul possui a maior área plantada de noz-pecã do país, chegando a 70% da área nacional (SEAPA RS, 2020). O uso do equipamento desenvolvido pela Raks possibilita maior assertividade na irrigação e determinação do conteúdo de água disponível, trazendo mais segurança ao produtor e melhoria na qualidade dos frutos de noz-pecã. A ferramenta possui diversos benefícios, como a obtenção dos valores de umidade do solo com precisão e em tempo real. As informações coletadas na lavoura são transmitidas via conexão sem fio para uma central de dados e apresentadas para o agricultor através de uma plataforma, que pode ser acessada via web ou mobile. Tecnologia de semicondutores na palma da mão do produtor rural.

A Figura 3 mostra o sensor HidRAKS 900 para monitoramento da umidade do solo utilizando o princípio TDR em um pomar de nogueira-pecã, em Encruzilhada do Sul, RS. O sensor utiliza uma placa que capta a energia solar e alimenta o sistema, evitando que sejam necessários cabos em campo e gastos com energia elétrica. 

Figura 3: Sensor HidRAKS 900, desenvolvido pela startup Raks Tecnologia Agrícola.

O uso de soluções que utilizam semicondutores, aliados ao desenvolvimento de fontes renováveis de energia, tem sua aplicação prática no agronegócio, atuando diretamente na produtividade e sustentabilidade do negócio. Esses movimentos que tratam da aplicação de semicondutores nos diferentes setores da economia tradicional são um passo importante para a inserção competitiva do Brasil no cenário da economia baseada no conhecimento. Semicondutores estão presentes no nosso dia a dia facilitando, articulando, modernizando e nos inserindo num contexto de relações globais. As novas fronteiras de uso em Inteligência Artificial e, especialmente, na Internet das Coisas (IoT), provoca uma nova geração de bens e insumos, potencialmente mais alinhados ao enfrentamento do grande desafio posto para toda a humanidade: crescer de forma sustentável social, econômica e ambientalmente.

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