Sistemas agrivoltaicos: integrando agricultura e energia solar fotovoltaica

A vulnerabilidade dos sistemas de produção de água, energia e alimentos com relação às mudanças climáticas é preocupante, uma vez que esses sistemas estão atrelados ao clima e a alteração deste implica em mudanças também na produção destes commodities.

A vulnerabilidade dos sistemas de produção de água, energia e alimentos com relação às mudanças climáticas é preocupante, uma vez que esses sistemas estão atrelados ao clima e a alteração deste implica em mudanças também na produção destes commodities. A produção segura de energia e alimentos são fatores muito importantes para manter a resiliência neste período de mudanças climáticas, e também de transição energética, que estamos atravessando (Barron-Gafford et al., 2018).

Nossos sistemas de produção de alimentos são vulneráveis a mudanças climáticas, principalmente aos períodos de chuvas e na quantidade de precipitação e também no aumento da temperatura. Entretanto, muitas áreas utilizadas para agricultura, incluindo América do Sul, Central, Norte, Centro Oeste e Norte da África vem passando por um aumento na aridez e é projetado que esse comportamento se estenda durante o século (Waha et al., 2017; Reyer et al., 2017).

Já foi constatado que as mudanças climáticas podem reduzir a capacidade de produção de usinas hídricas e térmicas em até 20% (van Viet et al., 2016; Liu et al., 2017). Entretanto, tecnologias que não dependem de água para a geração, como a energia solar fotovoltaica e a energia eólica, podem ser alternativas, além de cortarem as emissões de gases do efeito estufa (GEE), que são os principais causadores das mudanças climáticas.

O uso de energia elétrica é cada vez maior, pressionando cada vez mais a expansão da capacidade do sistema elétrico, que em sua maioria são formadas por fontes de energia não renováveis. Entretanto, a preocupação com as emissões dos GEE e suas consequências para o planeta tem feito com que investimentos cada vez mais robustos sejam destinados às fontes de energia renováveis, permitindo a expansão destas fontes de energia. Nos próximos dez anos a expectativa é de investimentos na ordem de R$ 100 bilhões somente em energia solar (Brasil, 2021).

Desde 2012, o número de usinas fotovoltaicas de solo cresce à medida que novos investimentos são feitos, uma vez que o custo para a implantação de novas usinas vem caindo ao longo dos anos. No Brasil, a energia fotovoltaica atingiu a marca de 28 GW de potência instalada, representando cerca de 13% da matriz elétrica nacional. Além disso, a energia fotovoltaica também apresenta um grande sucesso com a geração distribuída, que a geração junto a carga. Mais de 98% da potência instalada é representada pela energia fotovoltaica. Hoje, aproximadamente 2,6% das unidades consumidoras brasileiras possuem energia solar instalada (ABSOLAR, 2023).

A energia solar apresenta grande aceitação pelo público comparada a outros métodos de produção de energia. Apesar disso, a geração de energia elétrica por meio de energia fotovoltaica requer maiores espaços de terra em comparação a usinas eólicas ou de fontes fósseis, causando dificuldades frequentes para encontrar áreas disponíveis para a implantação das usinas fotovoltaicas, principalmente nos casos de grandes usinas. Uma forma de utilizar a terra de forma mais eficiente e para vários propósitos é a partir da integração da energia fotovoltaica em diversas partes do ambiente humano, como nos casos de construções, lagos, rotas de tráfego, por exemplo (Fraunhofer, 2020). Na Figura 1 são apresentadas algumas possibilidades de integração de energia solar fotovoltaica.

Figura 1- Aplicações de integração da energia solar fotovoltaica. (Adaptado de Fraunhofer, 2020)

A integração da agricultura com energia fotovoltaica (agrivoltaico) permite a redução do uso da terra, otimizando o seu uso. A competição do uso da terra para a produção de energia e comida pode ser evitada com a adoção dos sistemas agrivoltaicos, que podem se tornar muito significantes para regiões com área para plantio limitada.

No Japão, por exemplo, a Organização de Desenvolvimento de Nova Energia e Tecnologia Industrial (NEDO, na sigla em inglês), lançou recentemente novas diretrizes para estimular novas instalações agrivoltaicas na tentativa de aumentar a presença desse tipo de projeto no país, que possui escassez de terras. De acordo com estatísticas recentes do Ministério da Agricultura, Silvicultura e Pesca, 200 MW de projetos agrivoltaicos conectados à rede estavam em operação no Japão no final de setembro de 2021.

Os projetos cobrem uma área total de cerca de 181,6 hectares e estão espalhados por todo o país. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) recentemente identificou a escassez de terras e o congestionamento da rede como as duas principais razões por trás do sucesso limitado dos seis leilões de energia solar japoneses. A IRENA também apontou para os altos custos das instalações fotovoltaicas no mercado japonês, afirmando que é particularmente difícil obter licenças para parques solares acima de 40 MW no Japão, pois há um longo processo de aprovação, além de altos custos de terra e congestionamento da rede (PV Magazinea, 2021).

Sistemas agrivoltaicos permitem o uso simultâneo da terra para plantio de culturas e produção de energia solar fotovoltaica. Culturas para alimentação e energia elétrica podem ser obtidas a partir do mesmo local, portanto. De modo similar às usinas de chão, um sistema agrivoltaico pode ser montado em uma estrutura rígida ou com seguidor solar de um ou dois eixos, oferecendo maior flexibilidade para o gerenciamento da luz tanto para as plantações como para as células dos módulos fotovoltaicos.

A implementação da integração entre energia fotovoltaica e agricultura pode variar conforme a cultura plantada. A integração com plantas cultivadas como culturas anuais, perenes ou safras permanentes (entre elas estão pomares, frutas vermelhas, videiras, vegetais e outros tipos de terras aráveis) requerem, tipicamente, estruturas específicas para os módulos do sistema fotovoltaico, adaptada à cultura cultivada. Enquanto isso, as estruturas convencionais para usinas fotovoltaicas de chão são utilizadas para cultivo de pastagens e campos de feno, às vezes com algumas adaptações. Também é possível fazer essa integração em casos de culturas cultivadas em estufas. Com o atual estado de conhecimento atual, as culturas mais resistentes a sombras são mais adequadas ao plantio sob sistemas agrivoltaicos, como por exemplo vegetais folhosos (alface), forragem de campo (gramíneas), vários tipos de frutas de bagaço ou caroço, frutas silvestres e frutas macias (Fraunhofer, 2020).

Em um relatório apresentado pelo Instituto Fraunhofer apresenta os resultados obtidos a partir da planta piloto de Heggelbach. Devido ao verão particularmente quente de 2018, os resultados obtidos no ano foram superiores aos de 2017. O sombreamento parcial promovido pelos módulos aumentou a produtividade das culturas. Essa observação indica o potencial do sistema agrovoltaico para atender regiões áridas, apesar de também indicar que testes em outras condições climáticas são necessárias. Além disso, o aumento da irradiação solar em 2018 implicou no aumento da produção de energia solar comparada ao ano de 2017. A eficiência do uso da terra para plantio de batatas teve aumento de 86% neste ano (Fraunhofer, 2020). Na Figura 3 é apresentada uma representação gráfica do uso combinado da terra.

Figura 3 – Eficiência de uso da terra da planta piloto de Heggelbach. (Adaptado de Fraunhofer, 2020)

Os sistemas agrivoltaicos podem se tornar um novo segmento importante de energia renovável na Índia se uma estrutura de política adequada for implementada, de acordo com um novo relatório do Instituto de Economia de Energia e Análise Financeira (IEEFA, na sigla em inglês). De acordo com o relatório, para que o setor agrivoltaico prospere, as medidas para salvaguardar as comunidades agrícolas e a produção agrícola devem ser uma parte fundamental da política e das reformas regulatórias de que o setor precisa. Cerca de 60% da área terrestre da Índia é cultivada, então os sistemas agrivoltaicos estão teoricamente melhor posicionados na Índia do que na maioria dos outros países e com quase 20 projetos em andamento usando uma variedade de configurações de painéis FV, a Índia já começou a estabelecer os métodos, safras e condições específicas que funcionam melhor (PV Magazineb, 2021).

Observa-se que, de maneira geral, a integração de energia fotovoltaica com agricultura, nos chamados sistemas agrivoltaicos, implica no aumento da produção das culturas, aumento da umidade do solo e do ar e também na redução da temperatura média do ambiente, que é benéfica para o melhor rendimento dos módulos.

É importante salientar que é necessário o planejamento e estudo prévio das alterações no microclima da região, provocadas pela instalação dos sistemas agrivoltaicos para a escolha das culturas mais adequadas ao plantio. Além disso, o uso da energia solar fotovoltaica permite que as emissões de GEE sejam reduzidas nas áreas rurais, uma vez que é possível substituir equipamentos que utilizam geradores a diesel.

Os principais elementos da pesquisa agrivoltaica são as interações e sinergias entre as áreas de agricultura e energia fotovoltaica. Um projeto de sistema fotovoltaico adaptado, com luz direcionada, manejo e seleção de espécies de plantas adequadas podem estabilizar ou mesmo aumentar os rendimentos agrícolas. Particularmente em períodos cada vez mais secos, as quebras de safra podem ser reduzidas ou evitadas completamente. A necessidade de irrigação é reduzida devido ao sombreamento parcial causado pelos módulos FV, além de reduzir a erosão causada pelo vento. A estrutura dos painéis também pode ser usada para instalação de redes ou películas de proteção. A resistência do cultivo de frutas e vegetais pode aumentar contra fenômenos climáticos, como granizo, geada ou seca.

Referências
Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, ABSOLAR. Panorama da solar fotovoltaica no Brasil e no mundo. Disponível em:< https://www.absolar.org.br/mercado/infografico/>. Acesso em: 18 maio de 2023.

Barron-Gafford, G., A. et al. Agrivoltaics provide mutual benefits across the food-energy -water nexus in drylands. Nature Sustainability, 2018.

Fraunhofer ISE, Agrivoltaics: Opportunities for Agriculture and the Energy Transition. 2020.
Governo do Brasil. Brasil é referência no campo da energia limpa e renovável. Disponível em: < https://www.gov.br/pt-br/noticias/energia-minerais-e-combustiveis/2021/10/brasil-e-referencia-no-campo-da-energia-limpa-e-renovavel>. Acesso em: 18 maio de 2023.

PV Magazinea. Japan releases new guidelines for agrivoltaics as installations hit 200 MW. Disponível em: < https://www.pv-magazine.com/2021/12/13/japan-releases-new-guidelines-for-agrivoltaics-as-installations-hit-200-mw/>. Acesso em: 18 de maio 2023.

PV Magazineb. The case for agrivoltaics in India. Disponível em: < https://www.pv-magazine.com/2021/12/08/the-case-for-agrivoltaics-in-india/>. Acesso em: 18 maio de 2023.

Reyer, C. P. O. et al. Climate change impacts in Latin America and the Caribbean and their implications for development. Reg. Environ. Change 17, 1601–1621 (2017).

Waha, K. et al. Climate change impacts in the Middle East and Northern Africa (MENA) region and their implications for vulnerable population groups. Reg. Environ. Change 17, 1623–1638 (2017).

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